Lasercast #8 - Histórias em Quadrinhos e Rock'n Roll

Lasercast #8 -  Histórias em Quadrinhos e Rock'n Roll

Rock e quadrinhos são sintomas de importantes programações culturais do século XX. Em formato “power trio” pela primeira vez, a equipe Raio mais roqueira discute origens comuns aos dois fenômenos, pensando a radicalidade do rock em suas raízes, até manifestações como o rock psicodélico, o punk, o pós-punk e o indie, tudo isso concatenado à indústria dos comics, os quadrinhos underground, à Métal Hurlant, aos californianos do Love and Rockets, a BD em rockabilly, capas de disco em quadrinhos, quadrinhos do Kiss, experimentos como Tubarões Voadores e Música para Antropomorfos, Red Rocket 7 e muito, muito mais.

Destaque para o lançamento sincrônico deste episódio com a edição da Bienal de Quadrinhos de Curitiba em 2020, com tema de “música e quadrinhos”.

Destaque também para o depoimento do quadrinista Pedro D’Apremont sobre o quadrinista Peter Bagge.

E ainda outra destaque: para o livro Comiczzzt! – Rock e Quadrinhos – Possibilidades de Interface (Contato Comunicação, 2015), do nosso integrante Márcio Júnior.

Participam do debate: Pedro Brandt, Márcio Jr., Ciro Inácio Marcondes.

Edição: Eder Freire.

Disponível em: SPOTIFY, APPLE PODCASTS, GOOGLE PODCASTS, CASTBOX, ANCHOR, BREAKER, RADIOPUBLIC, POCKET CASTS, OVERCAST, DEEZER

ELABORAMOS UM ROTEIRO COMPLETO DE ACOMPANHAMENTO VISUAL/MUSICAL PARA ESTE BELO EPISÓDIO DO LASERCAST. OUÇA/VEJA/LEIA:

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Nudez, sexo e fúria: novo livro de Roger Cruz






















por Pedro Brandt

O álbum Xampu, lançado em 2010, foi o ponto de partida para projetos pessoais nos quais o desenhista Roger Cruz vem trabalhando há alguns anos. Depois de nos contar mais sobre a produção da HQ lançada no ano passado, o paulistano volta às páginas de Raio Laser para falar de seu pimeiro artbook, Nudes in fury.

Como você apresenta o Nudes in fury?

O Nudes in Fury é um artbook que tem como temas nudez e sexo. É uma seleção das melhores artes que produzi sobre esses temas nos últimos dois anos, desde que parei de trabalhar com super-heróis. Na maioria das artes, inseri a nudez e o sexo em alguma situação cômica. Não pretendia que fossem apenas belas poses de nu ou sexo explícito, algo que se vê em ensaios fotográficos.


Quem está lançando? Ou é independente?

O livro é independente com tiragem de 500 exemplares. Um outro artbook com um resumo da minha carreira já está quase pronto, mas resolvi lançar o Nudes primeiro por ter 40 páginas e um custo menor. O Roger Cruz artbook terá de 80 a 100 páginas e também será independente.

O que você pode comentar sobre a produção, as técnicas usadas, os materiais...

Nestes últimos dois anos, fiz e ainda tenho feito muitas experiências sobre estilo, técnica e tratamento gráfico. Utilizei diversos materiais neste livro. Pincel, canetas descartáveis coloridas, hidrográficas, arte-final e cor digital e bico de pena.

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Quais os seus autores de quadrinhos eróticos favoritos? Por que eles?

Gosto muito dos trabalhos do Horacio Altuna pela arte e qualidade da narrativa. Também gosto dos livros do Serpieri e Manara mas, nesse caso, mais pelas belíssimas artes. E também Jaime Martin e Watson Portela. O trabalho do Watson é incrível e faz parte das minhas lembranças mais antigas sobre HQ erótica.

Você fez alguns quadrinhos eróticos no começo da carreira, certo? É um gênero de quadrinhos que você tem interesse em revisitar - no caso, com HQs, não apenas com ilustrações, que é o caso de Nude in fury?

Sim. Trabalhei escrevendo e desenhando catecismos para a Editora Vidente, onde conheci pessoalmente o Watson Portela e o Sebastião Seabra. Gosto e ainda pretendo fazer HQs sobre o gênero. Qualquer ser vivo gasta boa parte de seu tempo e energia na busca pela oportunidade de fazer sexo. Nudez, sexo e sacanagem são coisas relevantes.

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Como você avalia a repercussão de Xampu?

Não poderia ser melhor. O álbum recebeu ótimas críticas tanto pela arte como pelo roteiro. E foi interpretado como eu desejava que fosse, o que para mim era o mais importante. A história de alguém é quase nada vista de longe, mas pode ser uma grande história olhando de perto. Espero ter feito homenagem à altura para aqueles que inspiraram as histórias do Xampu.

Alguma novidade sobre a continuação da série?

Ainda não tenho previsão para a continuação por falta de tempo mesmo.

Qual o seu projeto atual? Você está trabalhando em alguma editora no momento? E qual o seu próximo projeto?

Atualmente, trabalho como ilustrador para algumas editoras brasileiras. Estou também  trabalhando no fechamento do Roger Cruz artbook e produzindo artes no tempo livre para outro artbook. Mas primeiro vamos ver como se sai o Nudes in fury.


Lançamento Nudes in Fury

Data: 23 de Julho de 2011
Horário: 19h
Local: Quanta Academia de artes (Rua Doutor de Queirós Aranha, 246, Vila Mariana, São Paulo)
Preço de lançamento: R$ 30
Venda somente para maiores de 18 anos

Xampu e um lado autoral: entrevista com Roger Cruz


Por Pedro Brandt

Folheei uma, duas vezes e nada. Procurei então no índice e fui direto na página. Eu já sabia que o Roger Cruz participaria daquela edição da Metal Pesado e estava ansioso para conferir o resultado – eu era fã do cara, tinha um monte de revistas desenhadas por ele. Logo entendi porque eu não tinha achado a história antes. O Roger ali não era o que eu estava acostumado, o desenhista de comics, mas o Roger autor (RO.C.K.), com um traço bem diferente de todos os que eu já tinha visto ele usar até aquele longínquo 1997. Adorei a HQ! Xampu era o nome. Me identifiquei demais com aquela história de sexo, birita e rock’n’roll – tanto que xeroquei as três páginas da HQ e usei como capa e contracapa do meu fichário de colégio (que foi comigo, guerreiro, até o fim da faculdade). Pouco depois eu li em algum lugar que aquela era uma história de várias que o Roger gostaria de contar. A espera para ler as outras histórias do universo Xampu demorou 13 anos. Em seu blog, o desenhista dava pequenas amostras do trabalho.

Em maio do ano passado, Xampu - Lovely Losers foi lançada pela Devir. A minha ansiedade para conferir a obra foi tão grande quanto aquela de 13 anos atrás. E a minha satisfação ao terminar de ler todo o álbum, comparativamente, foi a mesma da adolescência.

Depois de anos de espera, Roger me provou o talento que eu sempre soube que ele tinha – e que eu acho que não aparecia mais em sua produção para a Marvel havia anos. Em Xampu temos um Roger renovado, criativo, em plena forma tanto como narrador gráfico quanto como contador de história.

Entrevistei o desenhista paulistano por e-mail em junho de 2010. A nossa conversa segue abaixo.
Quando e por que você decidiu que tinha chegado a hora para fazer a HQ?


Isso ocorreu no ano passado, em 2009. Já há alguns anos não sentia o mesmo prazer em desenhar comics por uma série de motivos.
O fato é que hoje eu entendo bem a decisão de alguns amigos que pararam de desenhar para as editoras americanas.

Xampu sempre esteve nos meus planos mas o volume de trabalho para a Marvel inviabilizava qualquer investida no projeto porque pretendia usar outro estilo no título.


E não é fácil fazer uma página de comics de manhã e “virar uma chave” para fazer algo completamente diferente à tarde.
A única opção foi pedir férias por tempo indeterminado na Marvel. 
Isso me deu tempo para amadurecer uma identidade visual para o Xampu.
Nos últimos cinco ou seis anos, entre uma edição de X-Men e outra, tentei finalizar o livro diversas vezes. E sempre que voltava para uma página do Xampu percebia que o traço não fluia como eu queria.
Nessas férias da Marvel consegui produzir o livro de um fôlego só. O que conferiu a unidade que eu buscava desde o início.


Os outros dois volumes já estão prontos? Pode dar uma prévia de como continuam as histórias? Elas terão os mesmos personagens? Quando serão publicadas?


Ainda não. Tenho roteiros escritos para mais ou menos 50 páginas de HQ. O que ainda é bem pouco. Mas pretendo intercalar as próximas edições do Xampu com as edições de Gutigutz.

Alguns personagens deste livro ainda estarão nos próximos mas não serão o foco. As épocas serão outras também. O que signifca que o pano de fundo musical não será tão relevante.


E a Gutigutz, tem previsão de publicação?


Espero terminar o primeiro livro ainda neste ano. Mas, no momento, estou me dedicando a outro projeto pessoal mais urgente e que, por enquanto, não posso divulgar.

Ainda assim, pretendo cumprir o prazo que estabeleci para as Gutigutz. Estou fazendo o mesmo que fiz com Xampu – estabelecendo um prazo. Nem mesmo tentei elaborar uma linguagem que soasse universal para que se adequasse também a mercados no exterior.

Penso que o livro não funcionaria para mim se tivesse isso em mente.

Mas algumas pessoas já me sugeriram apresentar o Xampu para outros mercados. Se houver interesse, será ótimo também.





Você cita várias bandas de rock ao longo da HQ, desde o som mais pesado, que está claro que é a preferência musical dos personagens, até o rock clássico, punk rock, new wave, indie rock, bandas alternativas brasileiras dos anos 80, brega, etc. Imagino que tudo isso seja um reflexo do seu gosto musical. Ou você inseriu algumas dessas bandas para dar mais personalidade aos personagens? Quais eram as suas bandas favoritas naquela época? Você costumava ir nos shows das bandas de SP na época? E hoje, você ainda curte rock? Quais bandas você tem ouvido atualmente?

Eu optei por não deixar clara a distinção entre realidade e ficção, mas esse era realmente o meu gosto musical.
Ainda gosto de muitas dessas bandas. Outras, ouvindo hoje, não gosto mais. Acontece.
Nesta fase da vida, o gosto musical define quem você é no grupo ou na tribo da qual faz parte. 
Conheci pessoas com “bom gosto musical” e que também gostavam de sons de “gosto duvidoso”. E, no final, a quem importa se você gosta disso ou daquilo, não é?
Mas olhando de perto, as urgências dos personagens são outras e a música é apenas o pano de fundo nas histórias.
Na época, as minhas preferências eram quase as mesmas de todos. Gostava de Iron Maiden, Metallica, Rush, Led Zeppelin, Ramones, Violeta de Outono, Slayer, Megadeth, etc. Mas gostava muito de bandas com bons bateristas porque tinha uma bateria e me arriscava com as baquetas.
A investida na carreira de baterista não durou muito, felizmente.
Eu não era um grande frequentador de shows mas fui em alguns. New Model Army, Ramones, quinto dia do Rock in Rio 2, Ratos de Porão, alguns que não me lembro e outros que prefiro esquecer.
Ainda gosto de rock e metal mas realmente ouço de tudo um pouco e, às vezes, por pouco tempo. Estou sempre desatualizado com relação a tudo. Música, quadrinhos, cinema, etc. 
Até prefiro assim. Não sinto tanta necessidade de ficar “antenado”, essa correria para ficar por dentro de tudo.
Acho que o ritmo de trabalho dos últimos 10 anos me fez desejar uma rotina cada vez mais lenta, longe de pressões e urgências.


Na Xampu original eram perceptíveis as influências de Laerte, Love & Rockets, Crepúsculo (do Pascal Ferry – que, aliás, ganhou citação na nova Xampu), por exemplo. No novo traço da história, arrisco dizer que Mutarelli, Paul Pope (e os gêmeos Bá e Moon, na condução da história) foram algumas das suas influências. Quem mais você diria que serviu de inspiração/ influência?


Laerte, Love & Rockets e Crepúsculo (HQ do Pascal Ferry!) foram influências importantes na época em que comecei a fazer HQs autorais antes de entrar para o mercado de comics nos EUA. Certamente me influenciaram na primeira HQ de 97. 

Mutarelli também foi influência em uma HQ específica publicada na extinta revista Mil Perigos.
Pope e os gêmeos são grandes artistas mas nunca os tive como influência. Na verdade, tudo o que eu não queria no Xampu era ser influenciado por algum trabalho.
Tentei deixar o lápis correr solto, sem construções de anatomia e perspectiva. Finalizei intencionalmente com as ferramentas com a quais estou menos acostumado – bico de pena e penas caligráficas para as áreas de preto.
Uma tentativa de me afastar do desenho muito mecânico e estruturado que faço para comics.
A intenção era que as figuras parecessem lembranças disformes e sem nitidez daquela época.







Quais foram os desafios da produção de Xampu?

O prazo foi o maior desafio. 
Fiz uma reserva financeira prevendo quatro meses de produção do álbum. 
Não seria possível produzir as páginas, tratar as imagens, letrerar e fechar os arquivos digitais se eu estivesse produzindo regularmente para a Marvel.
Penso que este é o maior desafio para quem pretende tocar um projeto pessoal. 
Conheço muitos artistas com excelentes idéias que não podem se dedicar a elas porque precisam antes garantir seus salários.
Além disso, se dedicar a um projeto pessoal é trocar o certo pelo duvidoso.
Você não recebe para produzir, você não sabe se alguém vai comprar a sua idéia e você não sabe se vai vender.
É um tiro no escuro mesmo.






E como a Devir entrou nessa história?

O Leandro, que foi o editor no Xampu, sempre foi um dos grandes incentivadores do projeto.
Desde a época da editora Pandora ele me dizia que eu precisava fazer um álbum do Xampu
E toda vez que nos encontrávamos ele me dizia isso. 
Por esse motivo, a Devir foi a primeira e única editora que procurei para oferecer o projeto. Queria mesmo que o Leandro estivesse envolvido.
E quando finalmente apresentei um preview para a Devir, o Douglas aceitou publicar na hora. 
A partir desse ponto, cabia a mim produzir o restante do álbum.


Você comenta no álbum que as outras histórias foram criadas na época da primeira. Você manteve os textos/ enredos intactos desde lá? Para você, quais são os desafios de criar também os textos de uma HQ?


Sim. Escrevi os outros roteiros na mesma época. Entre 1997 e 1999, mais ou menos. Fiz algumas mudança para atualizar ou reforçar certos pontos de vista ou para mudar desfechos de situações. Sempre fui fã de autores confessionais como Charles Bukowski, Angeli e Henry Miller por se posicionarem abertamente. Foi algo que tentei nesse álbum.



O personagem Max é bem parecido (fisicamente, pelo menos) contigo. O quanto das situações apresentadas na HQ são vivências suas? Todas as histórias têm um quê de autobiográficas ou você também se valeu da ficção para criá-las?


Algumas pessoas já me disseram isso. Que me pareço com o Max ou vice-versa.
Será? (risos) Combinei vivências minhas com muita ficção. O Sombra, por exemplo, é um mix das características de um amigo de escola que tinha o apelido de Sombra com Paul Stanley do Kiss e Slash do Guns n Roses. Sobre o caminho que cada personagem segue na história, não tive nada a ver com isso. Não escrevi nenhuma delas com idéias prontas de começo, meio e fim. Tentei durante o processo de criação fazer o exercício de acompanhar os personagens sem julgar ou direcionar escolhas.




O seu contrato com a Marvel vai até quando? O que pode adiantar sobre os seus próximos trabalhos para o mercado gringo?

O contrato é de exclusividade e por tempo ou edições. Ainda me resta um ano ou 12 edições. 
Não pretendo renovar o contrato. 
Se eu continuar com o trabalho no mercado americano, prefiro ficar livre para escolher o que vou fazer.



Você acha possível viver de HQs autorais no Brasil? Vislumbra isso para você no futuro? Além de Xampu e Gutituzt você tem outros trabalhos autorais?


Só de HQs autorais? Não mesmo. Não no Brasil.
E aí vem a pergunta: “Então por que fazer?”
Porque através da HQs posso realizar idéias com texto e desenhos.
Posso fazer isso em casa e escolher meu horário de trabalho.
Com certeza eu receberia um salário melhor se tivesse continuado a trabalhar com agências de publicidade mas não teria a mesma qualidade de vida.
Não espero que as HQs autorais sejam a minha fonte de renda. Seria uma grande surpresa se isso acontecesse.Além de Xampu e Gutigutz tenho outros projetos. Nem todos são HQs. Em breve, poderei dar mais detalhes.




Em entrevista em evento na Quanta Academia de arte em 2007, Roger ainda tinha planos duradouros com os comics: