Gibiteca TT Catalão: nova era, em busca do tempo perdido

Gibiteca TT Catalão: nova era, em busca do tempo perdido

por Pedro Brandt

A nova gibiteca do Espaço Cultural Renato Russo tem aproximadamente 23 mil títulos, entre quadrinhos de super-heróis, mangás, HQs infantis, periódicos e, em quantidade bem menor, graphic novels. Raimundo Lima Neto pintou um belo mural no local, e telas assinadas pelo veterano Jô Oliveira, anteriormente parte da decoração da desistalada gibiteca da Biblioteca Demonstrativa, agora também estão lá. Só posso desejar, depois de tantos anos desmontada, que a gibiteca recupere esse tempo perdido e que encante novos frequentadores como encantou a mim na adolescência – e que a sua existência, mais uma vez, incentive novas realizações artísticas e culturais e iniciativas empreendedoras.

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O melhor da MSP raiz: entrevista com Nicolosi

O melhor da MSP raiz: entrevista com Nicolosi

por Pedro Brandt

Atendendo a um convite da revista Plaf, escrevi um perfil sobre o desenhista José Márcio Nicolosi, veterano funcionário da Mauricio de Sousa Produções, hoje atuando como diretor de muitos dos projetos de animação da empresa, mas, entre meados da década de 1970 e o comecinho dos anos 1980, um dos mais destacados artistas – para alguns, o melhor – a ilustrar os personagens da Turma da Mônica.

Usei o pretexto do artigo para a revista para conhecer melhor o Nicolosi (Zé Márcio para os íntimos), que gentilmente respondeu a 30 perguntas por e-mail, em agosto de 2019, que utilizei como base para o meu texto – e que, aliás, foi publicado na edição 4 da Plaf, lançada em abril de 2020. Passado um ano da publicação do meu texto na edição impressa da revista, retiro essa entrevista da gaveta na expectativa de que ela encontre muito mais fãs do Nicolosi por aí. Atentem que, em alguns casos do que você lerá abaixo, duas perguntas são respondidas na mesma resposta.

Paulistano, nascido em 6 de novembro de 1958, o desenhista está na ativa profissionalmente desde 1974. Talvez você reconheça seu traço do antigo gibi do Pelezinho, da paródia Cascão Porker (sua volta aos quadrinhos MSP, depois de década afastado), da adaptação em livro ilustrado (estrelando Cebolinha e o próprio Mauricio) de O Pequeno Príncipe, ou ainda dos dois álbuns de sua série autoral Fetichast (lançados em 1991 e 2007). Mas, se você teve sorte, conheceu o traço de José Márcio Nicolosi lendo os gibis do Cebolinha, no final dos anos 1970, quando, indiscutivelmente, as HQs mais bem desenhadas da turminha foram produzidas.

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Brasília 60 anos – aparições de um imaginário em quadrinhos

Brasília 60 anos – aparições de um imaginário em quadrinhos

Há exatos 60 anos, em 21 de abril de 1960, Brasília era inaugurada como a nova capital do Brasil. Além do impacto no país, por razões óbvias, o acontecimento foi notícia na imprensa internacional, que relatou, com assombro e otimismo, a novíssima cidade brasileira. Filmagens, fotografias e outros registros da época ainda impressionam ao mostrar o que parece uma maquete de prédios de arquitetura modernista no meio do deserto – um deserto, aliás, de terra vermelha, que as fotos em preto e branco não conseguiam mostrar.

Muitas outras fotos, tanto da construção de Brasília quanto de seu cotidiano nos primeiros anos, revelam – ou ao menos insinuam – o vazio e a amplitude monumental da cidade – ainda em obras, muito tempo depois da inauguração. Se vistas hoje essas imagens impressionam, imagine o efeito há seis décadas. Especialmente naqueles tempos, Brasília causava estranhamento, fascínio e uma inegável associação com localidades antes apenas vistas ou imaginadas em obras de ficção. E, especificamente, de ficção científica. Esse imaginário sobre a cidade, muitas vezes fantasioso e focado principalmente nas edificações criadas por Oscar Niemeyer, não demorou para reverberar na cultura pop. E não seria diferente nas histórias em quadrinhos.

Ao longo de anos, fui juntando alguns quadrinhos com menções a Brasília, em especial aqueles que criaram algo a partir do imaginário futurista da cidade, mais do que retratá-la como mero cartão postal ou como a cidade onde moram e (aspas opcionais) trabalha parte dos políticos brasileiros. O que vem a seguir não se pretende como uma lista definitiva ou completa das aparições da capital do Brasil em histórias em quadrinhos. Optei por um recorte que passeia pelo inusitado e pitoresco, com algo de histórico e, acima de tudo, para encher os olhos, coisa bonita de ser ver. Como eu acho que Brasília é – e, gostaria de acreditar, os autores aqui relacionados também acharam quando produziram esses quadrinhos.

Este post é também uma homenagem às seis décadas da nova capital. Um aniversário sem festa durante a quarentena, mas que não poderia passar em branco na Raio Laser.

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Flores, véu e grinalda

Flores, véu e grinalda

Lembro quando, em 1997 ou 1998, conheci o Gabriel Góes na aula de desenho do saudoso professor Marel, no Espaço Cultural Renato Russo, mais conhecido na época apenas como “508 Sul”. Ele chegou com uma pasta cheia de desenhos e eu e os outros alunos ficamos embasbacados com o que vimos. Naquele momento, tive a certeza de que Gabriel seria um desenhista profissional – o que se confirmou alguns anos depois. Os desenhos dele, desde a adolescência, se distinguiam por uma identidade muito marcante, pela maneira como ele conseguia absorver influências diversas dos quadrinhos e da cultura pop e devolver tudo aquilo com uma cara inegavelmente própria, imediatamente reconhecível como sendo dele.

E acompanhando o trabalho do Gabriel ao longo do tempo, pude perceber como o desenho dele está em constante mutação, sempre apresentando algo de novo em seu traço, seja para ilustrar algo delicado ou tosco, grosseiro ou refinado – muitas vezes, tudo isso ao mesmo tempo.

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À queima-roupa: X-9 republicado





















por Pedro Brandt

A popularidade do personagem de história em quadrinhos Agente secreto X-9 no Brasil deixou pelo menos dois legados na cultura do país. Em 1944, foi fundada, em Santos (SP), uma escola de samba que leva o nome do herói. A agremiação inspirou o surgimento, em 1975, de uma outra escola com o mesmo nome na capital paulista. A alcunha também virou, especialmente, no Rio de Janeiro, sinônimo de alcaguete, delator.

Independentemente de seus significados mais conhecidos hoje em dia, X-9 sobreviveu na memória de gerações de leitores. Para os mais jovens, no entanto, ele permanece, quando muito, uma referência em enciclopédias sobre a história das HQs — afinal, há décadas o agente secreto não é publicado aqui. Quem é X-9? Qual é sua aparência? Por que ele foi tão popular? O sumiço do personagem do mercado editorial brasileiro dificulta as respostas.


Por isso, é tão bem-vinda a publicação que a Devir acabou de colocar nas livrarias. Agente secreto X-9 reune as histórias completas publicadas em 1934 e em 1935 e produzidas pelos pais do protagonista, o escritor Dashiell Hammett e o desenhista Alex Raymond.

Em informativo texto sobre a história do personagem, o editor Leandro Luigi DelManto conta que X-9 surgiu como uma resposta ao sucesso de outro justiceiro dos quadrinhos: Dick Tracy. Para fazer frente à criação de Chester Gould, o magnata da imprensa William Randolph Hearst, dono da King Features Syndicate (responsável por várias das mais populares tiras de quadrinhos da época), contratou um dos mais lidos autores de romance de mistério daquele momento, Dashiell Hammett (de O falcão maltês). Para acompanhar seus roteiros, foi escalado o desenhista Alex Raymond, criador de Flash Gordon.

Tiros e femmes fatales

Depois de uma maciça campanha de marketing que anunciava X-9 como um herói astuto e durão (e seu roteirista, como o maior escritor de histórias policiais do século 20), o personagem estreou nos jornais em 22 de janeiro de 1934. De fato, a criação da dupla se diferenciava das demais da época, com requintes literários e tramas complexas. Além, claro, da cuidadosa arte de Raymond — que explorava vários ângulos na construção das cenas e abusava de recursos gráficos para causar diferentes efeitos.

Bem ao estilo da literatura policial e dos filmes de gângster da época, Hammett criava histórias com muita ação, tiroteios, perseguições automobilísticas e até aeronáuticas, nas quais o charme do sempre elegante X-9 era irresistível para as mulheres — no geral, femmes fatales com segundas intenções, por quem ele não mostrava interesse. Seu instinto de justiça o fazia levar um caso até as últimas consequências. Dexter (o nome usado por X-9, mas não necessariamente sua verdadeira identidade) não mostrava piedade com os criminosos. E não são poucos os bandidos mortos em trocas de tiro, muitas à queima-roupa.

Mais do que a ação, eram os “ganchos” para a continuação da história — vale lembrar que elas eram publicadas de forma seriada, em tiras de jornal — que fisgaram tantos admiradores. Para se ter uma ideia, O caso Powers, a primeira aventura do agente secreto, levou sete meses para ser concluído, algo raro para os padrões da época, com histórias mais curtas e diretas. E justamente para tentar facilitar para os leitores, os editores da King Features começaram a fazer alterações nos textos de Dashiell Hammett — que logo perdeu interesse em continuar na série, abandonando-a em 1935. Alex Raymond, muito mais afeito a seu trabalho com Flash Gordon e Jim das Selvas, seguiria o mesmo caminho.

Mas ainda não seria o fim do Agente Secreto X-9. Até 1996, quando a tira deixou de ser feita, ele passaria pelas mãos de outros talentosos autores, como Archie Goodwin e Al Williamson.


A edição da Devir merece elogios não só por trazer de volta o personagem, apresentando-o a uma nova geração de leitores e matando as saudades dos antigos, mas pelo acabamento do álbum, em papel de boa gramatura e impressão em sépia — e as opções de capa dura e em brochura. O texto de introdução ajuda a entender o contexto em que o herói surgiu e a biografia dos autores no fim do livro só realçam o quanto X-9 estava em boas mãos.

AGENTE SECRETO X-9
De Dashiell Hammett e Alex Raymond. Editora Devir Livraria, 216 páginas, R$ 62 (capa dura) e R$ 48 (brochura).
Texto originalmente publicado no Correio Braziliense em 06/03/2011