A Canção de Orfeu Negro: quando Neil Gaiman encontra Tom Jobim e Vinícius de Moraes

A Canção de Orfeu Negro: quando Neil Gaiman encontra Tom Jobim e Vinícius de Moraes

por Marcos Maciel de Almeida

“Tristeza não tem fim, felicidade sim...” O verso da clássica canção “Felicidade”, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, dá o tom do filme franco-ítalo-brasileiro “Orfeu Negro”, de 1959, dirigido por Marcel Camus. A película, baseada na peça teatral Orfeu da Conceição, de Vinícius de Moraes, foi um grande sucesso no cinema, recebendo a tríplice coroa da Sétima Arte, tendo vencido o Oscar, a Palma de Ouro de Cannes e o Globo de Ouro.

A saga de Orfeu inspirou (e segue inspirando) produções artísticas em diversas áreas, como a literatura e as artes plásticas. A lenda do personagem foi recriada e adaptada para várias realidades e formas de expressão, revelando-se um ótimo exemplo de uma criação que conseguiu transcender o meio original (religião/mitologia grega) para se tornar narrativa bastante disseminada, de caráter praticamente universal. Também nos quadrinhos o mito foi recontado por Neil Gaiman na popular maxi-série Sandman, como veremos adiante.

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Imperdoável: Quando o Super-Homem roda a baiana

Imperdoável: Quando o Super-Homem roda a baiana

por Marcos Maciel de Almeida

Uns dois anos atrás eu fiz uma comparação, na seção “Paralelas”, entre Imperdoável e Império, dois gibis do gênero super-herói escritos por Mark Waid. Tendo lido apenas os oito primeiros números de Imperdoável, decidir terminar a saga inteira esses dias (são trinta e sete edições) e acho que ainda tenho uma ou duas palavrinhas para dizer sobre essa história, que especula os acontecimentos de uma Terra em que o Super-Homem local perde as estribeiras e se torna inimigo público número um.

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Lovecraft: uma sombra à frente de seu tempo

Lovecraft: uma sombra à frente de seu tempo

por Marcos Maciel de Almeida

HP Lovecraft (1890-1937), quem diria, tornou-se um fenômeno pop. Seja pelas inúmeras adaptações de sua obra que invadem as livrarias ou pelo recente sucesso da série de TV Lovecraft Country, o fato é que a literatura e as criações do escritor de Providence (EUA), justamente considerado um dos maiores nomes da ficção de horror mundial, encontram-se espalhadas pelas principais mídias de entretenimento. Exemplo simplório disso é minha reaproximação com sua obra, cujo gatilho foram os três episódios em sequência de South Park de 2010 nos quais os heróis da série enfrentam a criação máxima de Lovecraft, o milenar e inescrutável Cthulhu. Daí para comprar um compêndio com seus greatest hits foi um pulo. Coincidentemente, logo na semana seguinte embarquei para uma viagem de trabalho para a Armênia. Ler o calhamaço de quase mil páginas na madrugada do país caucasiano num apartamento em que ocorreram eventos inexplicáveis foi uma experiência no mínimo interessante, que não será relatada aqui por motivos de fuga ao tema.

No dia em que escrevo estas mal traçadas linhas, atrevo-me a dizer que Lovecraft conseguiu a façanha de ter se tornado mais famoso que seu predecessor e ídolo Edgar Allan Poe. Inspiração inegável, Poe influenciou formato (contos curtos e longos) e tipo de narrativa (de caráter fortemente pessoal elaborada invariavelmente em primeira pessoa) de seu discípulo. Reza a lenda que o fascínio de Lovecraft por seu ídolo era tão grande que o primeiro chegara a visitar as casas frequentadas por Poe, ocasiões em que tinha episódios de convulsão, visões e momentos de epifania.

Outra trágica similaridade que aproxima essas duas lendas da literatura fantástica é o reconhecimento tardio e póstumo. Tendo morrido numa pindaíba desgraçada, Lovecraft certamente ficaria admirado ao descobrir que suas criações se tornaram apreciadas pelas massas, como se pode verificar ao encontrá-las por aí em diversas formas de expressão artística, como música, cinema e jogos eletrônicos. Muito ajudou para esse fenômeno o fato de que parte considerável da obra do norte-americano tenha entrado em domínio público, o que contribui para a disseminação facilitada de seu legado. Claro que o talento do escritor – pai do gênero conhecido por “Horror Cósmico” – não passaria despercebido pelo crivo dos grandes da nona arte. Quadrinistas de renome como Alberto Breccia, Esteban Maroto e Dino Battaglia, entre outros, renderam incríveis homenagens ao trabalho de Lovecraft, recriando com autoralidade as clássicas histórias que assombram os pesadelos de leitores há mais de um século, em todo o mundo. Para além da seara cultural, a obra de Lovecraft transformou-se, também, em fonte importante para escritos de cunho religioso/ocultista.

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Em defesa do gibi fasciculado e outras cositas más

Em defesa do gibi fasciculado e outras cositas más

por Marcos Maciel de Almeida

Colecionar quadrinhos é um hábito substancialmente diferente hoje que quando comecei, 35 anos atrás. Naquela época esse tipo de entretenimento era muito mais acessível por diversos fatores. E os principais dentre eles são, necessariamente, interdependentes: formato e preço. Os gibis de massa do início dos anos 80 – e aqui incluo desde linha infantil e infantojuvenil da Editora Abril, passando pelas edições eróticas e de terror de editoras como a RGE, Vecchi e Grafipar – eram produtos praticamente descartáveis, com papel jornal e dimensões reduzidas. O objetivo deste tipo de publicação era chegar ao máximo de pessoas. Altamente disseminados e com presença massiva nas bancas, as revistas em quadrinhos desse período tinham tiragens gigantescas e preços razoáveis, razões pelas quais havia grande rotatividade no número de leitores e intensa possibilidade de renovação dos mesmos, dadas as facilidades de acesso a este tipo de material.

Hoje o cenário é totalmente diverso. As tiragens são mínimas e, tirando as seções de quadrinhos das grandes livrarias, o local de excelência para a compra de gibis é a internet. Claro que os gibis vendidos em banca ainda representam parcela importante das vendas, mas cada vez mais o hábito de ir às bancas para comprar revistas é um costume em extinção. Quem acompanha esse mercado certamente já escutou a máxima “quanto maior a tiragem, menor o custo de impressão e – por consequência – o preço”. Seguindo essa lógica, o que assistimos nas últimas décadas foi a drástica redução no número de revistas impressas acompanhado do inexorável aumento dos preços. Isso fez com que, gradualmente, as revistas em geral – não apenas quadrinhos – fossem perdendo espaço nas bancas e se tornassem mercado de nicho. Não é difícil perceber que as bancas hoje estão ou desaparecendo ou se tornando pontos de venda de produtos acessórios como capinhas de celular e outros tipos de bugigangas. Sem ter onde encontrar seu gibizinho – sempre mais caro – vai ser difícil para a molecada se transformar em público consumidor, o que reduz tiragens e acarreta aumento dos preços, num círculo vicioso nada alvissareiro. Mas essa é outra história.

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Paralelas - Maldita Guerra Civil Espanhola: No Pasarán x A arte de Voar

Paralelas - Maldita Guerra Civil Espanhola: No Pasarán x A arte de Voar

por Marcos Maciel de Almeida

Quando mais novo, certo dia vi uma camiseta da qual nunca me esqueci. Tratava-se da famosa cena de um soldado alvejado no campo de batalha. Com os braços jogados para o ar, estava prestes a deixar o mundo dos vivos. E em letras maiúsculas estava a – tão curta e dolorida – pergunta: “Por quê?”. Trata-se de imagem poderosa que até hoje sacode o coração de qualquer pessoa dotada de um mínimo de sensibilidade. Outra emoção desencadeada pela cena é a impotência diante de acontecimentos maiores que nós mesmos. É um daqueles momentos em que fica a sensação de que há muitas coisas entre o céu e a terra que fogem ao controle do cidadão comum. E em pleno 2020, mesmo após diversas décadas dos principais enfrentamentos armados que marcaram o século 20, ainda não nos é possível descartar totalmente a possibilidade de grandes conflitos internacionais ou domésticos. Motivada por causas raciais, econômicas e principalmente políticas, a tensão entre grupos de interesses diversos pode ser comparada ao gatilho de uma arma prestes a ser disparada. Caso haja distração, por menor que seja, o frágil tecido de paz social pode ser rasgado, com consequências imprevisíveis, mas certamente nefastas para todos os envolvidos.

Especialmente dolorosos são os conflitos civis que separam amigos e familiares, frequentemente de forma definitiva. E umas das mais emblemáticas conflagrações fratricidas presenciada na Era Contemporânea foi a Guerra Civil Espanhola, ocorrida entre 1936 e 1939. O conflito, espécie de balão de ensaio para a II Guerra Mundial, colocou em lados opostos os nacionalistas, frente heterogênea formada por grupos conservadores, religiosos, monarquistas e outros de feições fascistas; e os republicanos, formados por apoiadores da Segunda República Espanhola, que uniu, entre outros, anarquistas e comunistas. Os primeiros, liderados pelo General Franco, sagraram-se vencedores, tendo contado com o apoio da Alemanha Nazista e da Itália Fascista. Já os derrotados foram auxiliados pela União Soviética e pelas Brigadas Internacionais, que incluíam cidadãos de diversos países, principalmente Alemanha e França, que se deslocaram para a Espanha em prol da luta pela manutenção do governo republicano. Os embates no campo físico foram tão ou mais ferrenhos que aqueles que se desenvolveram no campo das ideias. Houve espaço para grupos de ideologias diversas no espectro político beirando tanto o extremismo de esquerda quanto o de direita. O radicalismo era crescente e havia aqueles que pregavam a extinção dos partidos comunistas, outros que defendiam o anticlericalismo e ainda quem lutasse pelo totalitarismo apartidário. As consequências desse complexo conflito foram – claro – mais duramente sentidas pelo povo espanhol, que teve de suportar a longa e feroz ditadura franquista, marcada por perseguição e execução de opositores.

Naturalmente que um evento de similar magnitude serviu de inspiração para o imaginário de toda uma geração de artistas em diversos campos, como literatura, artes plásticas e cinema. Servem de exemplo obras como o filme Terra e Liberdade de Ken Loach e o famoso quadro Guernica, de Pablo Picasso, em que o pintor malaguenho retrata, de forma sublime, o sofrimento descomunal advindo daquela guerra – e de tantas outras – para a população civil. Foi como ele disse: "Em Guernica expresso meu horror diante da casta militar que está saqueando a Espanha e transformando-a num oceano de tristeza e morte."

É claro que os quadrinhos também não seriam indiferentes a esse importante conflito. As HQs inspiradas pela Guerra Civil Espanholas são abundantes. Para analisar esse evento decidi focar em duas obras: No Pasarán (Corriere della Sera, 2020) e A Arte de Voar (Veneta, 2018). O primeiro é o olhar de um autor italiano, Vittorio Giardino, que não participou diretamente do conflito, mas que resolveu contá-lo a partir da ótica de seu personagem mais famoso, o ex-agente do serviço secreto francês Max Fridman. O segundo é uma obra de caráter fortemente pessoal escrita pelo espanhol Antonio Altarriba, também não participante da guerra, mas que recebeu relatos fidedignos de uma fonte que lá esteve, ninguém menos que o próprio pai, cuja vida pode ser resumida como desgraçada, para dizer o mínimo.

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Novíssimo quadrinho italiano: breve panorama

Novíssimo quadrinho italiano: breve panorama

A editora italiana Canicola resolveu dar uma chance para novos talentos dos fumetti na simpática coleção Henry Darger, que teve duas edições lançadas em 2016 e quatro em 2019. Vendida a preços módicos no stand da empresa no último Lucca Comics & Games, resolvi comprá-la para conhecer um pouco da recente produção local. Esse contato serviu para me apresentar um pouco do que existe no inconsciente coletivo dos jovens do país. É praxe dizer que não se deve impor barreiras ao espírito criativo. E os novatos seguiram religiosamente esta máxima. No terreno livre e desimpedido das HQs, escreveram, pintaram e bordaram sem recalques. Por isso, senti-me particularmente satisfeito com a possibilidade de assistir, de camarote, às taras, medos e inseguranças da Geração Y italiana, nascida entre 1980 e 2000.

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Miracleman: construção do mito em três atos

Miracleman: construção do mito em três atos

No dia 21 de março, o pessoal da Raio Laser fez algumas indicações de leitura para a quarentena. Eu sugeri as 16 edições de Miracleman feitas por Alan Moore no início dos anos 80. Bem, já que eu estava indicando, resolvi também passar pela experiência de maratonar o material, pois havia passado um tempo desde a última vez em que havia me debruçado sobre ele. Valeu a pena? Já adianto que sim. Tanto que resolvi escrever um texto mais completo sobre a importância dessa obra que, para mim, merece figurar lado a lado entre os grandes trabalhos do Bruxo de Northampton.

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