Lasercast #32 - Gibi de Caubói: Quando a Raio Laser Faz Bang-Bang!

Lasercast #32 - Gibi de Caubói: Quando a Raio Laser Faz Bang-Bang!

Bang! A equipe Raio se junta a um mestre (da universidade mesmo) em faroeste, o cineasta Alex Vidigal, para falar sobre a influência desta cultura no universo dos quadrinhos (mas não só). De Tintim a Blueberry, de Tex a Chet, de Kid Colt a Jonah Hex, de Ken Parker ao Chacal, e muito mais!

Participam do debate: Ciro Inácio Marcondes, Marcos Maciel de Almeida, Bruno Porto, Márcio Jr. e o convidado Alex Vidigal.

Edição: Eder Freire

Disponível em: SPOTIFY, APPLE PODCASTS, GOOGLE PODCASTS, CASTBOX, ANCHOR, BREAKER, RADIOPUBLIC, POCKET CASTS, OVERCAST, DEEZER

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Viagem ao país dos fumetti

Viagem ao país dos fumetti

Pouco mais de quatro meses atrás fui transferido para Roma, por motivos profissionais. Na hora em que comecei a tomar todas as providências práticas para a mudança ainda não tinha me dado conta, mas pouco antes de embarcar caiu a ficha de que estava prestes a morar numa das mecas do quadrinho na Europa. Sim, para quem não sabe, a cultura de quadrinhos na Itália é uma tradição estabelecida já há várias décadas. Fumetti – que é como os quadrinhos são conhecidos por aqui – são uma forma de arte largamente disseminada e é possível encontrar pessoas de todos os tipos consumindo e lendo em tudo quanto é lugar, especialmente nos meios de transporte. Aos poucos fui percebendo que tinha tirado a sorte a grande. O país é realmente um paraíso para os apreciadores da nona arte.

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O silêncio à espreita: sobre o universo das HQs mudas

por Ciro Inácio Marcondes*

Em uma das tiras de quase gentil surrealismo publicadas por Rafael Sica em Ordinário (2010), vemos enfileirados horizontalmente quatro requadros muito parecidos entre si: trata-se da imagem de uma calçada. À esquerda, um homem está parado ao lado de uma placa. Ao fundo vemos outro homem, de chapéu, se aproximar, tendo um poste como ponto de fuga. A cada quadro, o homem de chapéu se aproxima mais. Porém, estranhamente, quando chegamos ao terceiro quadro da tira, notamos algo estranho. Na medida em que se aproxima de um primeiro plano do requadro, ao contrário do que mandariam as leis da perspectiva, o homem de chapéu não “cresce”, aos olhos do leitor e do outro personagem. Ele continua pequenininho. Quando finalmente passa pelo homem parado na frente do estabelecimento, o homem de chapéu continua minúsculo, para o espanto do primeiro e do leitor.

A despeito do nonsense da tira, fica evidente, quando analisamos outras tiras de Sica, que o quadrinista está elaborando algo sobre as convenções de representação das propriedades do espaço a partir de relações exclusivas entre as imagens, sem usar falas, letreiros, balões ou textos de quaisquer tipos. Vejamos: em outra tira, um personagem está sempre escondido atrás de elementos dos cenários (espaço); em outra, um personagem olha seu outro eu num reflexo na calçada e, de repente, mergulha nela e os dois somem; em ainda outra, a sombra de um personagem parado na calçada cresce desproporcionalmente até que sai da parede e passa a carregá-lo. Os exemplos são inúmeros, mas a sensação que temos é a de um derretimento completo das funções ordenadoras das coordenadas espaciais de uma narrativa em função de uma libertação das imagens para reformular estes mesmos espaços dentro de leis exclusivas das próprias imagens. Quer dizer: sem palavras para ancorá-las em um discurso simbólico, as imagens em sequência podem verter tempo e espaço numa coisa só, transformando a HQ em um meio de constante e interminável paradoxo.

Isso me faz lembrar que, ao contrário do cinema, em que o alcance do espaço é determinado pela passagem do tempo, nos quadrinhos o tempo é que é sugerido espacialmente, já que, sem uma cronometria dada, eles precisam dispor de inúmeros recursos (requadros, sarjetas, balões, ícones, letreiros, etc.) para impor um ritmo de leitura, em última instância sempre subjetivo. A duração, porém, para uma HQ, depende da qualidade do espaço, da ordem dos balões, dos arranjos dos requadros, de seus tamanhos, da proximidade entre eles. Em uma história em quadrinhos muda, entretanto, muitos destes marcadores temporais, como os balões e os letreiros, desaparecem, dando às imagens a oportunidade de representarem estes elementos segundo suas próprias estranhas contingências, gerando os paradoxos espaciais dos quadrinhos de Sica.

Ora, é muito difícil medir ou quantificar a extensão de interinfluência entre palavra e imagem em mídias mistas como os quadrinhos. Não se pode afirmar categoricamente que um ou outro dominam a percepção, ou que há uma relação de submissão, ou que um código concorre com o outro. Palavras são signos arbitrários, inteiramente conceituais, mas não deixam de ser imagens (especialmente em uma HQ) ou de produzir polissemia. Imagens, por sua vez, anticonceituais, pontuam um momento específico no tempo e no espaço, e revelam tudo e nada ao mesmo tempo sobre seu conteúdo. A imagem, já dizia Platão, é falsificação de uma falsificação, e deve-se desconfiar dela. Por outro lado, o ato de apreciar uma imagem depende de uma redução direta, uma reprodução dos próprios fenômenos da realidade, e neste caso não necessitamos de qualquer contexto para ela.

Para um filósofo como Bergson, todo o mundo é constituído de imagens, e, quando apreciamos a beleza de uma árvore, apreciamos tão-somente a sua imagem. E essa beleza reverbera no belo natural de Kant: agrada sem pedir qualquer coisa em troca.

Extraídas as palavras de uma história em quadrinhos muda sem palavras, qual é a imagem exata que resta? Quais são essas palavras extirpadas? Em uma excelente história publicada por Watson Portela em suas Paralelas nos anos 1980 (republicada pela Devir em 2015) chamada “Voo livre 9”, temos acesso a um mundo de fantasia futurista em que somos introduzidos a vários personagens com balões de pensamento em branco. De repente, temos acesso a um casal cujos mesmo balões são preenchidos por pedaços de frases incompletas, mas que podemos perceber, pela seleção de palavras, que se tratam se pensamentos politicamente subversivos. Eles passam a se expressar por balões de fala, nos mesmos termos, cada vez mais entusiasmadamente. De repente, seus balões ficam pretos, eles são fuzilados e, no último requadro da história, os jovens heróis jazem no chão enquanto o resto da população segue a vida com seus pensamentos em branco.

Esta história é uma clara alegoria à perda da liberdade de expressão e a sociedades fascistas, mas o que nos interessa aqui é precisamente uma redução cada vez maior do campo da palavra, em uma HQ praticamente muda, a partir de seu ícone mais representativo, o balão. Ora, aqui o balão é restringido ao seu potencial imagético. Um balão em branco, em preto ou com falas desconexas perde o primado comunicacional do discurso simbólico para se misturar ao fluxo constante e metamórfico do código das imagens. Ao descer um grau na capacidade comunicativa do balão, transformando-o em pura imagem, Watson Portela está se aproximando daquilo que Moebius realizou, de maneira pioneira, com Arzach entre 1975 e 1976. O famoso quadrinista francês, neste caso, ao publicar quatro histórias (quase) sem falas, desenvolvidas no modo de “escrita automática” (ou seja: inventando os enredos na medida em que desenhava), fez escola ao apresentar pequenos fios narrativos sem contexto, mas com elementos visuais comuns, que libertam o leitor para uma leitura puramente erótica (no sentido da volúpia do olhar), de puro deleite visual, dos quadrinhos. Associado, obviamente, ao surrealismo e ao primado de uma razão onírica, o que Moebius fez foi encaminhar as imagens para se modelarem em si próprias, como em um jogo estético de rei Midas em que cada imagem, ao tocar qualquer coisa, a transforma também em imagem.

Em Arzach, porém, assim como em “Voo livre 9”, há um jogo que inclui o “rebaixamento” da palavra (retirada de seu “pedestal conceitual”) a um patamar icônico, visual. Moebius inicia cada uma das quatro histórias de Arzach com a própria palavra “Arzach” inserida mais ou menos dentro do campo diegético, ou seja, dentro do universo que aquela ficção pretende representar. E mais: a cada versão, ele grafa a palavra diferentemente (“Harzak”, por exemplo). A palavra “Arzach”, como é sabido, não significa nada. Assim como Watson Portela esvazia os balões, Moebius aqui faz questão de esvaziar toda e qualquer palavra, transformando-a em signo vazio, ou melhor, signo puro. Após a quarta (mais delirante e fragmentária) história, finalmente, no último quadro, um balão de fala é inserido e um personagem profere, pela primeira vez, uma palavra, que não poderia ser outra: “Arzach” ressurge, então, no contexto de que a palavra só pode ser proferida após passar pelo caos desordenado da pura narrativa imagética.

Uma história em quadrinhos muda pode ser, portanto, um desdobramento das possibilidades espaciais do meio (Sica), um fluxo alucinatório de imagens livres (Moebius), e até uma reflexão sobre o próprio caráter icônico da palavra (Portela). O modo como imagens desancoradas das palavras atuam em série está, geralmente, dentro das possibilidades daquilo que o teórico Thierry Groensteen chamou de artrologia, ou seja, a maneira com que as imagens nos requadros de uma HQ se solidarizam e se reúnem em um jogo de repetições e afecções entre estas mesmas imagens. Sem a palavra para organizar a engenharia destas imagens que declinam umas nas outras, uma HQ se torna um campo onde figuras de linguagem típicas da poesia se desenrolam em terreno virgem, fazendo destas histórias explorações agudas de formas apenas pontualmente utilizadas em quadrinhos falados. São rimas visuais, metonímias, aliterações. O quadrinho mudo se torna não apenas campo da imagem e dos fenômenos que se desdobram nela, mas também dos caminhos que a linguagem toma quando totalmente desamarrada do simbólico. Cabe ver dois casos e suas mutações:

Metonímia

O sistema (1996), de Peter Kuper, tornou-se um clássico do quadrinho mudo por elaborar com perfeição a fórmula do contato metonímico. Aqui, dezenas de personagens diferentes (um mendigo, uma stripper, um velho detetive, um policial corrupto, um skatista, um empresário, entre muitos outros) têm suas histórias entrecruzadas por pequenos detalhes visuais que vão se encontrando e se confundindo na medida em que percebemos, no final das contas, que a história a ser contada é a de todo um sistema socioeconômico que envolve todos os aspectos da realidade: de uma pichação na parede às notas de dinheiro se esvaindo para todos os lados, até a semelhança física entre um homem e um trem de metrô, todo o mundo visual de O sistema se submete à engenharia invisível que constrói nosso campo de imagens, ao mesmo tempo em que discursa sobre os filigranas das relações de poder entre as pessoas. É como se Kuper pensasse que a interface visual do mundo é equivalente à interface socioeconômica, e o sistema de imagens que ele constrói por meio da metonímia se replica, de maneira fractal, em tudo o que nos cerca.

A metonímia é a figurada generalização (o famoso “parte pelo todo”), e não surpreende que um recurso assim gere histórias de grande amplitude interpretativa, como é o caso da obra de Kuper. De alguma forma, o encadeamento narrativo por meio destes pontos nodais (as metonímias) fortalece o engenho narrativo entre imagens, ao contrário do fluxo psicótico proposto por Moebius em Arzach. Porém, mesmo estando em lados opostos no espectro da artrologia, Arzach e O sistema, por serem HQs mudas, compartilham o gosto pela ambição do altamente generalizante, daquilo que envolve o enorme raio de atuação das imagens, da incapacidade de invadirmos o mundo dos personagens em suas falas e pensamentos. Temos de nos contentar, em ambos os casos, com a drástica ambiguidade das imagens.

Uma abordagem ligeiramente diferente da metonímia no quadrinho mudo ocorre em 73304-23-4153-6-96-8, de Thomas Ott (2008). De verniz expressionista e possivelmente influenciada por Kuper, esta HQ conta a história absurda de um homem que toma contato com um número (o do título) que passa a aparecer, em sua vida, sempre na mesma sequência, de maneira a se tornar previsível. Soturna, a HQ utiliza os números da série como pontos de contato metonímico que vão empurrando, ao mesmo tempo, o leitor e seu protagonista a uma jornada de ambição, sexo e loucura. A ordem irracional dos números acaba se aproveitando da vasta polissemia das imagens para instaurar sua própria lógica obtusa. Diferentemente de O sistema, em que a aleatoriedade parece pertencer a algum algorítimo que programa a realidade (como se fosse um caos organizado), em 73304-23-4153-6-96-8 a aleatoriedade é a única função a que os personagens se submetem, levando a um desfecho quase que naturalmente mergulhado no surrealismo. Mais uma vez, porém, diferente do surrealismo automático de Moebius, Thomas Ott cria seu universo de pesadelo a partir de uma programação perturbada, de uma metonímia disfuncional e desgarrada. Neste caso, o ponto de contato entre elementos imagéticos semelhantes (os números) se torna o único dispositivo gráfico que impulsiona a história para frente, levando a metonímia a um esvaziamento quase místico (diria jungiano), tal qual a robusta apropriação da palavra pelas imagens em Arzach.

Aliteração

Em Ordinário, Rafael Sica não apenas se vale de praticamente todos os recursos citados (sempre de maneira econômica e otimizada), mas faz questão de que cada tira seja um modelo para a própria aplicação do recurso. Sua produção de alguma forma ecoa nas longínquas tiras experimentais Polly and her Pals ou Gasoline Alley, que não raro realizavam séries mudas. A aliteração ou reprise, por exemplo, aparece em uma tira de Sica com quatro requadros em que vemos um mesmo cara solitário sentado, na mesma posição e com idênticas feições, em quatro cenários diferentes: um bar, uma mesa na cozinha, uma festa no escritório, um jardim de infância. A repetição, característica da aliteração, neste caso, não ocorre no cenário (como é o caso da maioria das aliterações em HQ), mas apenas no personagem, que, como um tropo visual desencaixado de contexto, vai sendo inserido em ambientes muito diferentes para demonstrar sua inexorável solidão.

E é o aproveitamento destes tropos visuais que faz uma HQ muda ser tão afeita a este recurso, já que, quando há palavras, elas podem também cumprir a função invisível, de preencher os espaços não-visualizados (extra-campo), da sarjeta. Assim, a HQ muda parece precisar mapear mais o espaço, tateá-lo com mais cuidado, geralmente com a intenção de não provocar rupturas totalmente ilógicas ou violentas. Mesmo assim, algo radical como Arzach não possui esta preocupação. Em sua última história os quadros já surgem como praticamente aleatórios, mas isso se dá devido à exploração do caráter inconclusivo das imagens em si. Quadrinhos mais detalhistas como O sistema, 73304-23-4153-6-96-8 ou Ordinário precisam se valer mais deste recurso para que a produção de sentido seja possível.

A utilização da aliteração pode ser pontual, portanto, no sentido de atomizar o tempo de percepção das ações, como ocorre frequentemente com as HQs mudas de Gustavo Duarte. Na segunda página de (2009), vemos três requadros de seu protagonista, em contracampo, sentado em frente à TV. Os três requadros são praticamente idênticos (deflagrando a aliteração), com pequenas variações nas expressões e movimentos do personagem. Percebemos suas reações à TV e à passagem do tempo, indeterminada, mas bem enquadrada pela aliteração. Se, na tira de Sica, o que muda é o cenário e longos períodos de tempo são sugeridos entre os quadros (e até certa atemporalidade), no caso de o que muda é justamente o personagem (mantendo-se estático o cenário), com sutileza o suficiente para percebermos que a passagem temporal foi mínima. São usos, portanto, inversos de um mesmo recurso, provocando efeitos totalmente opostos.

Uma HQ pode ser baseada praticamente inteira na aliteração. Em 2009 o quadrinista australiano Nathan Jurevicius lançou a versão em quadrinhos do game Scarygirl, e, por trás das páginas psicodélicas ilustradas digitalmente, o que parece ser um exercício estéril de adaptação da funcionalidade do jogo se transforma, na verdade, em um fértil exercício de aliteração.

Scarygirl é praticamente inteiro baseado neste recurso, tendo páginas e páginas repletas de micro-ações detalhadas em minúcias de ínfima temporalidade. Neste caso, mais do que nunca, o uso de uma abordagem espacial meticulosa somado à precisa inserção da sarjeta leva a um controle do tempo que dá conta de intervalos muito pequenos, mas não perde a “beleza natural” das imagens. Engenhosamente narrativa, esta HQ muda é a prova de que a extração da palavra nos quadrinhos pode levar tanto a uma obsessão com a repetição como única solução para o ato de narrar, quanto a uma dissolução deste modelo. A aliteração pode ser usada para ordenar o campo das imagens puras ou para escancarar completamente sua incapacidade de ordenação.

Não à toa, Scarygirl faz, assim como “Voo livre 9”, uso intenso da iconização do balão. Sonhos, diálogos e pensamentos da garotinha do pântano e seus amigos são representados por outras imagens que aparecem dentro dos balões. Neste caso, o recurso não é tão arrojado quanto na HQ de Portela, mas exemplifica bem o metamorfosear das imagens em si próprias. A evasão ao sonho (imagem de um mundo dentro do nosso) não é incomum dentro do mundo das HQs mudas.

Pinóquio (2011), de Winshluss, faz uso tão intenso da iconização dos balões que contextos inteiros, de incrível complexidade, são mostrados dentro de balões gigantes que ocupam lindas splash pages.

Por fim, como conclusão, a história que talvez seja a obra definitiva de Berardi e Milazzo – a investida de Ken Parker na HQ muda –  “Os cervos” (1984), pode servir de guarda-chuva para todas as possibilidades mencionadas. Aqui, sem palavras, vislumbramos uma paisagem gelada e inóspita em que o herói do fumetti, para sobreviver, acerta a perna de um cervo com um tiro. Com a aproximação dos filhotes desta mãe agora desguarnecida, Ken Parker, tomado pelo sentimento da pena, resolve passar semanas no ambiente selvagem com os animais para curar o animal que havia abatido. Berardi e Milazzo não apenas constroem um ambiente mudo em que a paisagem gelada, em guache, se torna tônica dominante, como transformam o recurso da aliteração em figura transcendental que reitera a eternidade da luta pela sobrevivência. As paisagens brancas são repetidas, os atos se tornam ritualísticos, o espaço na HQ parece uma eterna rima de si mesmo. A imagem acaba, então, se transformando em valise para o caçador primordial, do paleolítico, como demonstram as pinturas em Lascaux, Chauvet e Altamira, as primeiras histórias em quadrinhos mudas.

A metonímia também aparece amalgamada neste processo, quando cada animal, cada ação e cada aspecto do cenário se torna ponto nodal para o prosseguimento desta saga íntima de infinita precedência. Como Moebius, mas austero e sem a desviante lisérgica, os autores italianos projetam nesta história um dispositivo fractal que nos leva ao passado e ao futuro, num eterno retorno da imagem primordial. Nem mais aliteração ou metonímia, a imagem da HQ muda aqui se transforma, enfim, na figura de linguagem mestra, mãe de toda imagem: a metáfora.        

*Artigo originalmente publicado na Revista Antílope Nº 2

Botando moral

Qual o limiar da moralidade nos comics?

O artigo de S. Seelow, “Frank Miller,Batman e o choque de civilizações”, publicado no Monde, (claro, sem querer) coloca uma questão interessante, diria mesmo de ordem, sobre o universo dos quadrinhos. Entre as polêmicas em torno do neo-conservadorismo de Miller, o autor achou por bem recorrer a um atalho, para dizer o mínimo, discutível: para explicar as reações negativas de fãs (note-se: desprezando as positivas) o texto afirma categoricamente que “o universo dos comics tem inspiração majoritariamente humanista e liberal”. Não sei bem o que quis dizer com “humanista”, mas o “liberal”, claramente é evocado num sentido meio pacifista, imoralista. Vindo de um jornal francês, ironicamente, vem-nos logo a lembrança, não direi do choque, mas de certo paralelismo entre duas subculturas bem conhecidas: a dos comics americanos e a das bandes dessinées franco-belgas (camada subliminar que me parece importante).

A pergunta que falta é a seguinte: entre os principais apelos do universo cultural norte-americano (e falo, evidentemente, não apenas dos quadrinhos) não está justamente seu moralismo fantasticamente (ia dizendo: fanaticamente) monolítico? “Heróis e vilões” (mocinhos e bandidos, diriam nossos pais, avós) simbiótica, surrealisticamente unidos, do espaço sideral ao velho oeste, até que a morte os separe...? A fórmula, claro, é bem ampla, mas no caso dos quadrinhos é preciso ir além; diria que não se trata apenas de uma forte característica mas da fórmula mais geral de seu sucesso e popularidade. Mesmo no cinema, provavelmente devido a seu público mais adulto, sempre houve um equilíbrio maior de gêneros e mensagens. Nos quadrinhos, dado seu papel semi-infantil ou semi-educativo, esse recurso tornou-se uma verdadeira norma formal, tudo o mais sendo “alternativo” (sintomático o surgimento, meio freudiano, dos quadrinhos de terror-erótico...?). Natural que essa tendência se manifestasse com força em solo puritano, certo?

Tex: típico herói americano?

Vamos com calma: 

Tex, herói típico americano é, na verdade, italiano. A atração exercida pelo ambiente desértico serve universalmente como pano de fundo, neutro, a-histórico, transcultural (como naqueles fundos nebulosos de J.-L. David), para o afirmação de uma ética simples, possível apenas num espaço ideal (versões urbanas: Gotham, Metropolis, etc.). É que o velho duelo do bem contra o mal, no fundo sabemos, não é uma bobagem. Bobagem é acreditar que ele é simples ou fácil. (Mesmo um ser-de-nada como Sartre visitou "o diabo e o bom Deus"). Um herói como o amnésico Ken Parker (meu favorito), mais dado a contradições, a mudar de lado, ora com índios, ora no exército, mesmo não repetindo o sucesso de Tex, buscava a tal da “verdade”. Diria que nos quadrinhos, mesmo quando isso não é o principal, permanece certa obrigatoriedade clássica de um chiaroscuro moral. Sendo assim, quem sabe, a exemplo da história da arte, haja certa vantagem em olhar o todo em termos de "clássico" e "anti-clássico".

David: ética simples, fundo simples

Heróis como Capitão América e Super-Homem, por exemplo, mantém esse apelo e parecem mesmo inviáveis sem ele (fórmula compatível com o cômico, com o ridicularizar-se a si próprio, pelo menos desde o final dos anos 80 com a Liga da Justiça, hoje consagrada no cinema com Os Vingadores - ia me esquecendo da série Batman, anos 60!). Anti-heróis como Justiceiro, Wolverine, e mesmo europeus como um Corto Maltese, um Blueberry, são só uns semi-Pilatos: guardam a estranha “mania” de serem bonzinhos. Pagam seu tributo a César. Os recordes de bilheteria dos filmes sobre heróis indicam que o seu simbolismo, o impulso de fazer a coisa certa, permanece vivo.

Certo, existem anti-heróis autênticos e de sucesso -- mais “anti” que “heróis” --, como Elektra (novamente Miller), Ranxerox, etc. O interessante é que são personagens "sem olhar", talvez mais artísticos, mas certamente menos (ou demasiado) humanos. Paira sobre esses quadrinhos uma espécie de nuvem negra de negação e contradição. Um classicista diria que são indispensáveis na medida que permitem renovar nosso gosto pelos clássicos.

Relatividade sem relativismo, moral sem moralismo... Os quadrinhos, atenção historiadores e sociólogos, educaram uma geração!

Elektra: anti-heroína autêntica

HQ em um quadro: Milazzo, em negativo. Por Berardi e Milazzo.

O grupo de Ken Parker parte, em vão, para evitar estupro, morte e rebelião (Giancarlo Berardi e Ivo Milazzo, 2002): que no gibi Ken Parker destila-se um adensado painel sociológico dos nossos dias atuais, sempre veiculado pelo gênero mítico que é o western, associado a um painel multicultural (vejam: histórias no velho oeste americano, feita por italianos, com fôlego universalizante), o bom leitor de HQs de qualidade (ou seja: o leitor de Raio Laser) já deve saber. Não surpreende, portanto, que na história em dois arcos "Um sopro de liberdade", publicada pela Mythos no Brasil em 2002, encontremos um debate ético capcioso, envolvendo sistemas prisionais, racismo, sociabilidade, estupro, jornalismo marrom e toda uma miríade de enlaçamentos contemporâneos que não nos surpreenderia se se passasse num presídio na São Paulo dos dias atuais. 

Aqui, Ken Parker está simplesmente... preso. O olhar humanitário do herói permite que se deflagre, deste ambiente, uma fauna rica de pessoas que estão encarceradas por motivos diversos: do cara que está ali vítima de puro racismo, ao mafioso veterano, ao psicopata. Fora isso, um coronel procurando fazer a coisa certa, mas levado a executar a coisa errada, um prefeito com o cuidado de não manchar sua imagem, um jornalista inescrupuloso, mas tentando fazer seu trabalho, e duas damas da sociedade feitas reféns dão o tom para que esse barril de pólvora inevitavelmente exploda.

Sobre o brilhantismo do texto de Berardi, não há mais muito o que comentar. Dentro deste painel delicado, ele demonstra que, se se consegue erigir um equilíbrio frágil na rebelião que se instaura na prisão a partir de extensa negociação política (os presos, afinal, queriam melhores condições em relação aos sádicos carcereiros), basta uma maçã podre (e não é muito difícil achar algumas delas neste ambiente) para desencadear o velho processo de tudo se esvair por água abaixo. Neste caso, basta a fome sexual animalesca de um dos presos para que uma chocante cena de estupro ocorra pouquíssimo antes do quadro destacado aqui. O que parecia uma produtiva negociação em favor dos presos se torna o álibi perfeito para a entrada do exército no presídio, e um massacre ocorra. Uma história baixa, como tantas outras. 

No quadro destacado, o genial desenhista Ivo Milazzo consegue captar a intensidade do momento com um recurso simples. Cabe aos gênios exaurir as potências dos recursos simples, sempre. Milazzo, um mestre estilístico da luz e da sombra, dono de um grafismo radical que deslacra as possibilidades expressivas dos quadrinhos, abre a página 71 com um quadro de cores invertidas. No opaco fundo branco, vemos as sombras do grupo de Ken Parker correrem num plano de conjunto absolutamente frontal, como se se dirigisse ao próprio leitor. Qual a mensagem de quadro tão simples, mas tão magistralmente arrojado? A resposta é menos simples: invertendo as cores, Milazzo primeiro subverte o equilíbrio e a ordem até então instauradas na negociação. Como se dissesse, cromaticamente: algo deu errado! Em segundo lugar, o enquadramento frontal nos coloca na linha de fogo do conflito. O embate ético, que antes se vinculava aos personagens e suas contingências, agora é também um desafio ao leitor, que precisa ficar acuado, como se convidado a entrar no conflito. Desta maneira, Milazzo quebra a difícil quarta parede dos quadrinhos, transportando-nos para um inferno social que passa a ser também um inferno íntimo. (CIM)

A Meca dos gibis virtuais: entrevista com PC Castilho























por Pedro Brandt

Quem lê a Raio Laser, sabe que o nosso negócio são os “quadrinhos além”, em resumo, não queremos nos limitar ao esquemão dos quadrinhos mainstream. Para isso, é necessária toda uma dedicação, toda uma pesquisa para encontrar esses títulos que mais chamam a nossa atenção, que abastecem a fogueira da nossa paixão pelas HQs. Além de visitas a sebos, troca de ideias com amigos etc. e tal, tem um blog em especial que virou a minha Meca dos gibis, um espaço virtual que preciso visitar religiosamente todos os dias. Ali, achei quadrinhos que sempre quis ler, mas nunca tinha encontrado (em edição física ou virtual), outros que já li, mas são muito bem vindos em minha “coleção de scans” e, principalmente, quadrinhos que eu jamais saberia da existência não fosse pelo HQ Point.

Com um visual simples (quase um fanzine virtual), mas de fácil navegação e, o principal, democrático (todos os downloads são gratuitos), o blog é onde me abasteço. Confesso: às vezes a gula é maior do que a vontade de comer, e muitos arquivos esperam meses até serem conferidos. Coisas do nosso tempo – como essa nova possibilidade de poder ler, de graça, quadrinhos que, de outra forma, eu continuaria desconhecendo.

Se o HQ Point está certo em distribuir todo esse material gratuitamente, é motivo de um longo debate (e um muito pertinente nos dias de hoje). Acredito que o PC Castilho, editor do blog, tem uma postura muito correta com relação a isso, como ele mesmo comenta em uma das perguntas da entrevista a seguir. Acima de tudo, acho que o HQ Point presta um grande serviço aos leitores brasileiros de quadrinhos – e não deixa de ser curioso saber que os títulos mais baixados no blog não são quadrinhos, mas livros sobre ilustração.

Se tem um blog que complementa o que é a proposta da Raio, esse é o HQ Point. Se você não o conhece, recomendo uma visita longa e demorada. Boa leitura!


Como e quando começou o HQ Point? Já era a sua ambição que o blog tomasse essa proporção, essa quantidade de títulos disponíveis para download?

Até pouco tempo atrás, eu não sabia o que era um blog e muito menos conhecia scans. Foi quando chegou do Japão o amigo Takao, trazendo vários arquivos, que me deixaram impressionado. Em pouco tempo, eu estava visitando vários blogs e baixando tudo que via. Com o tempo, percebi que todo mundo postava praticamente as mesmas coisas. Senti que faltava algo diferente no mercado e resolvi criar meu próprio blog.

O HQ Point começou como um blog para venda de revistas. Faltava divulgação e o número de visitas era desanimador. Resolvi então disponibilizar scans, os títulos que não eram encontrados nos blogs que eu visitava. Sempre curti o quadrinho europeu. Na verdade, comecei lendo super-heróis, como a maioria dos leitores, mas depois que conheci o quadrinho europeu meu gosto foi se sofisticando.

Meu objetivo era atingir 100 mil visitas. Ultrapassamos fácil a meta e meu objetivo agora é 1 milhão de visitas! E olha que a nossa página é bem grande, com um número variado de edições. Alguns blogs apresentam quatro ou cinco edições e já mudam a página, o que faz o contador de visitas pular a todo instante.

Possuir o número de títulos disponíveis no blog seria impossível para qualquer colecionador se ele tivesse que adquiri-los em papel. Acho que está aí uma das vantagens do scan. Quem se nega a ler scans vai ficar sem conhecer uma grande quantidade de títulos. Se bem que eu não acredito que o cara que diz ser contra scans, de vez em quando, não baixe alguma coisa.

QG da HQ Point
O site tem muitas postagens quase diariamente. Hoje em dia, o HQ Point ainda é um hobby ou virou uma obrigação?

Virou vício. Não consigo passar um dia sem fazer uma tradução, diagramação, digitalização, tratamento de imagem ou postagem. Olhar a caixa de mensagens também é outro vício. Consegui fazer grandes amizades através do blog. Sou autodidata no espanhol. Sei que ainda não estou 100% nas traduções, mas tento fazer um trabalho aceitável.

Você mora em Goiânia, certo? Como é a cidade para os quadrinhos (para comprar coisa antigas e tal)?

Sim, moro em Goiânia. O mercado de quadrinhos por aqui já foi bem melhor. Hoje, como em todo o resto, anda meio escasso. É difícil encontrar um leitor e mais difícil ainda é encontrar revistas usadas para comprar. Antigamente, qualquer banca as tinha e os sebos estavam abarrotados. Hoje tá todo mundo vendendo pela internet, com valores lá em cima. A sorte é que tenho um grande número de amigos colecionadores e estão sempre nos ajudando, emprestando suas revistas. Meu “point” hoje em Goiânia para comprar revistas é no sebo de um amigo, Hocus Pocus, onde consigo a maioria das revistas que disponibilizo.

Imagino que a sua coleção de quadrinhos deve ser bem extensa. Fale um pouquinho sobre a sua história como colecionador: quando começou a paixão pelos quadrinhos? Quantos títulos você tem em casa?

Já fui daqueles caras que compravam de tudo. Cheguei a ter tanta revista que me faltava espaço para guardá-las. Nos anos 1980, eu e o Marcio Jr. (O Ogro) fizemos em Goiânia a Primeira Exposição de Quadrinhos, que aconteceu na Livraria Flicts e teve a participação do Ziraldo, que estava presente para lançar o seu livro com o mesmo nome da livraria.

No começo dos anos 1970, meu irmão pediu pelo reembolso postal algumas edições da Outubro e Taíka. Me lembro perfeitamente de folhear as revistas e ver trabalhos do Rodolfo Zalla e Colonnese. Essa foi a primeira luz.

No final dos anos 1970, nos mudamos para uma pequena cidade do interior aqui de Goiás. Lá não tinha televisão. Meu irmão trabalhava na capital e nos finais de semana ia pra lá de ônibus. Um dos amigos dele trabalhava em uma distribuidora de revistas aqui da cidade e levava inúmeras revistas sem capas pra mim (era a “devolução” das bancas). Através dessas revistas, eu passei a fazer pedidos pelo reembolso postal. Comprei praticamente tudo que a EBAL disponibilizava. Minha mãe fazia pequenas viagens nas cidades vizinhas, e como na minha não existia bancas de revistas, ela sempre trazia algum exemplar de Tex (Vecchi) ou Homem-Aranha (Bloch).

Nos anos 1980 eu editei o fanzine Imaginação 1985. Gastei uma grana preta para lançar a primeira edição em off-set, que teve a participação de Julio Emilio Braz, Rodval Matias, Mozart Couto, Geraldo Cavalcanti e outros. Existe uma versão digital em nosso blog.

Nos anos 1990, passei a comandar um fã-clube de Elvis Presley, o TCB Elvis Fã Clube, que passou a me exigir muito tempo e acabei deixando os quadrinhos de lado. Só voltei aos quadrinhos em 2004, com a chegada do Takao. Comecei a comprar revistas novamente, só que de maneira bem mais seletiva.

Hoje tenho uma imensa quantidade de revistas, mas a maioria são de minha loja virtual. Minha coleção mesmo é de mais ou menos umas 500 revistas, a maioria álbuns importados no estilo “The art of...” ou edições com capa dura de seleções especiais (com desenhistas ou personagens preferidos). Os únicos títulos que compro mensalmente nas bancas são Tex e Mágico Vento.


Quais são os seus títulos, autores, escolas e personagens favoritos?

Desenhista preferido: Al Williamson (da velha guarda). Dos desenhistas atuais eu gosto muito do italiano Mastantuono e do brasileiro Mozart Couto.

Não dá pra abrir mãos dos álbuns europeus. São deles os melhores desenhistas, os melhores roteiristas, eu poderia citar uma grande quantidade deles, mas é melhor não ser tão detalhista.

Vai ser difícil surgir um personagem com a qualidade de Ken Parker, que é o melhor pra mim.

É claro que existem os grandes mestres, que estão entre os meus prediletos: Red Crandall, Angelo Torres, Eisner, Raymond, Milton Cannif, Alex Toth, Flavio Colin, Shimamoto, Rodval Matias, Carlos Chagas, Benicio...

Como o HQ Point tem funcionado hoje em dia? Você recebe muitas colaborações ou faz tudo sozinho? O que é mais difícil nesse processo?

Antigamente eu fazia praticamente tudo sozinho. No final do ano passado, passando por algumas dificuldades, pedi ajuda aos nossos usuários. Tive que praticamente “trancar” o blog, repassando os links somente àqueles que estavam ajudando. A resposta foi rápida. Recebemos ajuda até mesmo financeira e surgiram vários colaboradores.

Fui muito criticado pela atitude de “trancar” o blog e por estar recebendo dinheiro. Mas é importante ressaltar que só assim foi possível continuar com o blog, que melhorou muito depois desse episódio. A ajuda financeira possibilitou a aquisição de um novo scanner, pude melhorar a velocidade de nossa internet e adquiri muito material interessante. Depois de dois meses, o blog voltou a ficar “liberado” a todos. Quem não ajudou está desfrutando o material e trabalho de quem ajudou... e olha que poucos foram contra a minha atitude. A maioria entendeu numa boa.

Os maiores colaboradores do HQ Point são os amigos João de Deus (Brasilia-DF), Paulo Henrique (aqui de Goiânia) e J. Valverde (Portugal), sem querer desmerecer os outros amigos/ colaboradores, é claro.

Atualmente estou na batalha de traduzir e diagramar toda a série de Blueberry. Estou em busca de amigos que possam ajudar na tradução e diagramação dos álbuns, mas é difícil encontrar pessoas que queiram dedicar tanto tempo a um trabalho que não vai gerar lucro algum. Faço isso por puro amor e vício aos quadrinhos.

O mais difícil em tudo isso é ainda ter que ouvir críticas negativas em relação ao nosso trabalho. Tem uns cretinos que têm a coragem de dizer que estou “ganhando dinheiro” com o blog, que estou “explorando as pessoas”. Outros ficam procurando erros nas traduções... poderiam estar colaborando como colaboradores. Mas eu não ligo pra isso... Polêmicas sempre geram uma boa divulgação e eles acabam me fazendo um grande favor.


Qual o quadrinho mais baixado da história do site? E qual aquele que você achou que seria um sucesso, mas acabou não sendo? E você tem feedback dos leitores? Como tem sido essa interação?

Os arquivos mais baixados são os de arte (revistas que ensinam a desenhar, livros com a arte de determinados desenhistas). As que têm liderado em downloads são Illustration Magazine. Não houve nenhum título que tenha me decepcionado, todos os arquivos recebem mais de 200 downloads. Poucos leitores dão retorno com comentários, mas os poucos que chegam são tão “ricos” que valem por todos. Por incrível que pareça tenho recebido retorno da França, Estados Unidos, Argentina, Chile, Espanha, Itália e até do próprio Arcângelo Stigliani, autor de Cargo Team (desenhada por Mastantuono) e disponibilizada em nosso blog, escreveu nos elogiando pelo nosso trabalho.

É claro que a interação tem aumentado. Hoje eu poderia “trancar”, ficar apenas com os amigos que realmente estão interessados em ajudar. Mas minha intenção é formar a cabeça de novos leitores, mostrar pra eles que existem muitos quadrinhos de qualidade e que dificilmente serão publicados por aqui.

Com a ajuda do Takao, que tem postado muita coisa, o trabalho ficou mais tranquilo. O legal de tudo isso é que o gosto dele é completamente diferente do meu, o que tem dado uma certa diversificada ao blog. É aquilo que eu falo, quem mais lucra nessa história são os nossos usuários.

Você já foi contactado por alguma editora por causa dos downloads? Qual a sua posição quanto à distribuição gratuita de conteúdo na internet?

Já fui procurado por três editores, não para reclamar dos scans, mas sim para pedir divulgação dos trabalhos deles. Acho que a coisa funciona por aí. Eu sempre defendi que os editores precisam se unir aos blogs de scans, usá-los como fonte de pesquisa e divulgação. Através dos blogs, dá pra se ter uma idéia de que tipo de material os leitores estão lendo. Por mais que o camarada baixe arquivos, ele sempre compra uma ou outra edição no papel. A internet veio para democratizar a coisa. Antigamente, éramos obrigados a comprar uma revista com cinco histórias ruins e uma boa... comprávamos por causa de um desenhista ou roteirista de nossa preferência. Hoje isso já não é mais preciso, podemos adquirir aquela história na versão digital. Mas se sai um álbum no estilo da Cripta (Mythos), não tem como resistir sem comprar o álbum.

O que eu não concordo é disponibilizar edições de revistas que estão sendo publicadas no mercado nacional. O digital está sempre na frente e acaba prejudicando o mercado. Tem tanta coisa boa pra se disponibilizar, material que não foi publicado e nunca será. Posto muita coisa que está saindo na Europa, mas que por enquanto não tem nenhum editor brasileiro publicando.

Penso que quando algum editor se sentir prejudicado com algumas postagens, ele deveria entrar em contato com os blogs e solicitar a retirada dos arquivos. Reclamar com os provedores e fechar o blog não resolve o problema, pelo contrário, só causa revolta nos blogueiros, que irão encontrar outras formas de distribuir os arquivos digitais.

Outro pensamento meu é que devemos assumir o que fazemos. Eu uso meu nome verdadeiro. A partir do momento que usamos apelidos e não nos identificamos, estamos agindo na marginalidade.

Acredita que os tablets ou outros aparelhos de leitura digital vão, com o passar dos anos, substituir o quadrinho em papel? E o que você acha dessa mudança?

Falaram que a televisão iria acabar com o rádio... isso não aconteceu. Os tablets apenas vão facilitar as coisas, mas as edições de papel vão continuar por muito tempo. A tendência é parar com as revistas ruins e ficar só os álbuns de luxo (no papel). Eu mesmo não abro mão de uma boa edição com capa dura e papel couché. A mudança vai atrair novos leitores, essa gurizada que gosta de informática. Também irá facilitar as coisas para quem estiver viajando... poderão carregar livros, revistas, vídeos e músicas em um pequeno equipamento que cabe fácil na mala.

Tá na hora dos artistas começarem a pensar em maneiras diferentes de vender seus trabalhos. Por exemplo, ao invés de vender seus trabalhos para as editoras, por que não disponibilizar histórias em um site pessoal e vender espaço publicitário para empresas? Já que o scan tem uma boa audiência, nada melhor para as empresas que querem ver seu produto circular entre os consumidores.

Se você fosse indicar 10 títulos para quem nunca visitou o HQ Point, quais seriam e por que?

1) Blueberry: por ser uma série que nunca foi publicada na íntegra no Brasil

2) Bouncer: por ser um ótimo western, escrito pelo chileno Jodorowsky e traduzido por nós

3) Long John Silver: uma série que mais parece um filme.

4) Mestres do Terror: que resgata as obras-primas publicadas por Zalla

5) As edições da Marvel sem balões: nas quais poderão apreciar a arte dos desenhistas

6) Tarzan – Lança de ouro: praticamente completa, pela arte de Joe Kubert

7) As revistas e livros da Dolmen (em espanhol): nas quais os leitores poderão ficar sabendo de muita coisa que ainda não se publicou por aqui.

8) Belém: outra série, na qual estou trabalhando na segunda edição. Outro “filme” em quadrinhos.

9) The Jack Kirby Collection: que está temporariamente “fora do ar”... links quebrados.

10) Kripta, da RGE, que foi retirada em respeito ao editor da Mythos, que está publicando os álbuns especiais.